A prisão do jovem Francisco
Quando
jovem, alguns anos antes de sua conversão, Francisco experimentou o terror da
guerra e da prisão. Na guerra, ele deve ter presenciado a morte de muitos e, na
prisão, deve ter sofrido os horrores do cárcere com seus companheiros de luta.
Como um jovem da categoria de Francisco deve ter vivenciado tudo isso? Como
todo esse sofrimento deve ter contribuído para mudar o sentido de sua vida?
O
jovem Francisco ainda não sabia o que significava a dor e o sofrimento em sua
vida. Segundo Raoul Manselli, grande estudioso do santo de Assis: “Comerciante
jovem, mas esperto nos negócios, Francisco era amante do fausto e do luxo, dado
a um estado de vida que o colocasse em destaque pela generosidade, pela
largueza de bens, pela elegância, pela ‘cortesia’, com a aspiração ambiciosa a
ser o primeiro, a estar sobre os outros: acreditava poder consegui-lo através
de sua riqueza e do que esta lhe podia dar, olhando para um futuro de
prosperidade e grandeza” (Raoul Manselli,
São Francisco, Vozes, 1997, pág. 51-52).
Era
o ano de 1202. O jovem Francisco estava com vinte anos. A cidade de Assis entra
em sério conflito com Perúgia, cidade vizinha e mais poderosa. A guerra estava
anunciada! Muitos cidadãos de Assis, incluindo o jovem Francisco, se preparam
para a luta. Em Collestrada, um lugarejo entre as duas cidades, se deu o
enfrentamento dos dois exércitos. O exército de Perúgia venceu, e muitos dos
combatentes de Assis foram presos, inclusive Francisco.
O
filho de Pedro Bernardone que nunca tinha sido privado de nada, agora está
jogado numa terrível e humilhante prisão na cidade de Perúgia. Aquele que vivia
alegremente em festas e banquetes com seus amigos, agora prova da amargura de
um cárcere imundo e escuro. A Legenda dos Três Companheiros assim nos relata:
“No tempo em que houve a guerra entre Perúgia e Assis, Francisco foi capturado
com muitos concidadãos seus e encarcerado em Perúgia, mas porque era nobre de
costumes, foi colocado como prisioneiro com os cavaleiros” (LTC 4,1). É interessante notar este último detalhe: o fato de
ficar preso junto dos cavaleiros (nobres) demonstra a posição e o prestígio de
Francisco, apesar de não pertencer a esta classe.
Tanto
Tomás de Celano (2Cel 4) quanto a
Legenda dos Três Companheiros (LTC 4)
nos mostram que o jovem Francisco, mesmo na prisão, conservou seu jeito
extrovertido de ser: “Num dia em que seus companheiros de prisão estavam
tristes, ele, que naturalmente era sorridente e jovial, não parecia
entristecer-se, mas de certo modo parecia alegrar-se. Por causa disso, um dos
companheiros o repreendeu como a um louco, porque mesmo lançado no cárcere, se
alegrava. Ao que Francisco respondeu com voz vigorosa: ‘Que pensas de mim?
Ainda serei venerado por todo o mundo’” (LTC
4,2-4).
Havia
entre os prisioneiros um cavaleiro que, por injuriar outro colega, foi isolado
pelos demais. O biógrafo nos oferece uma pequena informação deste episódio que
realça um dos traços da personalidade do jovem de Assis: “Somente Francisco não
lhe nega companhia, mas exorta também os outros a fazerem o mesmo” (LTC 4,5).
Os estudiosos afirmam que
foi neste período da prisão em Perúgia que Francisco adoeceu gravemente. “O
primeiro e rude golpe na saúde do filho do mercador de Assis ocorreu na prisão de
Perúgia, nos anos de 1202-1203. Por um ano inteiro ficou naquele calabouço
escuro, frio e anti-higiênico. Foi resgatado porque adoeceu tão gravemente que
morreria em breve” (Aldir Crocoli, São
Francisco, Revisitando sua história, ESTEF, Porto Alegre, 2011, pág. 72).
Teria
o jovem prisioneiro adoecido de que? Segundo alguns estudos, uma primeira hipótese
aponta para a possibilidade de Francisco ter sido contaminado pela tuberculose,
mas a hipótese mais aceita é a que ele tenha sido infectado pelo vírus da
malária. Os sintomas descritos em outros momentos da vida do santo parecem
confirmar esta segunda hipótese.
Esta
dolorosa experiência do jovem Francisco foi um divisor de águas em sua vida. A
prisão e a doença lhe forçaram a repensar a sua história. Tomás de Celano faz
uma interpretação neste sentido: “Libertado da prisão, depois de pouco tempo,
torna-se mais benigno com os necessitados. Decide daí por diante que não
desviará seu rosto de pobre algum que, ao pedir-lhe, lhe propuser o amor de
Deus” (2Cel 5,1-2).
A dor e o sofrimento,
quando aceitos e acolhidos com sabedoria, podem se transformar em oportunidade
de crescimento e de libertação. De fato, tinha razão o grande Santo Agostinho
quando afirmava que Deus de um mal pode tirar um bem. Que a experiência do
jovem rico de Assis possa iluminar os nossos passos especialmente quando
trilharmos certos caminhos dolorosos e obscuros.
Paz e Bem
Frei
Salvio Romero, eremita capuchinho.
O sofrimento na prisão e a enfermidade, portanto, moldaram o coração do jovem Francisco, preparando-o para sua grande e bela missão. De fato, Deus sempre tira um bem, do mal...
ResponderExcluirPaz e bem!