Lectio
Divina
A Sagrada Escritura pode ser lida e apreciada por diversos tipos
de leitores, tendo cada um deles diferentes intencionalidades e variadas
motivações. Alguém, por exemplo, pode ler um texto bíblico simplesmente por curiosidade,
enquanto outra pessoa pode ler o mesmo texto para aprofundar seus conhecimentos
teológicos. A Sagrada Escritura pode ser fonte de espiritualidade para uns,
enquanto para outros pode ser apenas fonte de informação histórica ou
literária.
Há, entretanto, uma maneira especial de ler e apreciar os textos
bíblicos que difere de todos os outros modos. Trata-se da “Lectio Divina”, um
método de leitura que remonta aos primeiros séculos do cristianismo. Foi Orígenes,
o grande teólogo alexandrino do século III, quem usou pela primeira vez a
expressão “Lectio Divina” para se referir a esta modalidade de leitura bíblica
que também é conhecida como “Leitura Orante”.
A Lectio Divina é a leitura atenta e amorosa da Sagrada
Escritura, feita por quem deseja escutar a Deus e obedecê-lo fielmente. Não se
trata de uma simples leitura do texto, é uma leitura que se torna oração. De
fato, nem toda leitura da Sagrada Escritura é Lectio Divina. Esta só acontece quando a Palavra de Deus é acolhida,
ruminada e assimilada pelo leitor atento e fiel.
A disposição interior de quem pratica a Lectio Divina deve ser a
mesma que Eli recomendou a Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta!” (1Sm3,10). Se, pelo contrário, o leitor permanecer
fechado, insensível e surdo, ele nunca escutará a Deus que lhe fala ao coração.
Por isso, antes mesmo de iniciar a
leitura bíblica, precisamos pedir ao Espírito Santo que nos faça sentir,
enxergar e ouvir aquilo que o Pai do céu deseja nos comunicar.
Por outro lado, não teria sentido escutar a Deus se não houvesse
da nossa parte uma firme vontade de obedecê-lo. De que adiantaria saber o que
Deus quer, se viesse a nos faltar o desejo de seguir os seus preceitos? O
leitor atento da Sagrada Escritura, portanto, deve conservar em si mesmo aquela
mesma atitude obediente da Virgem Maria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”
(Lc 1,38).
O Espírito Santo age no coração de quem pratica a Lectio Divina,
trazendo ao leitor sensibilidade espiritual, sabedoria e discernimento. Jesus
diz: “O Espírito Santo vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o
que eu vos disse” (Jo 14,26). De
fato, Sem o Espírito Divino não teremos capacidade de escutar a Deus, nem de
compreender o sentido de sua Palavra e nem de obedecer aos seus preceitos. Aquele
que “falou pelos profetas”, que deu coragem aos Apóstolos e que inspirou os escritores
sagrados é o mesmo que hoje nos conduz e nos inspira quando praticamos a Lectio
Divina.
A Lectio Divina não é algo a ser praticado de forma esporádica e
superficial. Precisamos de um contato mais íntimo e frequente com a Palavra de
Deus. Por isso, sem pressa, fiquemos aos pés do Senhor, como fez Maria, a irmã
de Marta (cf. Lc 10,38-42) para
escutar a sua voz e seguir os seus conselhos. Quem nunca tem tempo para “ficar
aos pés do Mestre” nunca vai experimentar a “melhor parte”, reservada aos
discípulos atentos e fiéis.
Praticamos a Lectio Divina porque desejamos que a Palavra de
Deus oriente a nossa vida, e que o mundo inteiro seja transformado por ela. Queremos
saber não somente o que foi dito no passado, mas o que nos diz agora o Senhor
Deus. Lendo e relendo atentamente o texto sagrado, refletindo, ruminando e
discernindo com o coração, encontraremos a vontade de Deus para cada um de nós.
Ao praticarmos a Lectio Divina, percebamos a beleza e a riqueza espiritual
deste santo exercício. Graças a ele inúmeros cristãos encontraram alimento
substancial para suas almas devotas e piedosas. Foi na leitura atenta e amorosa
da Palavra de Deus que os mártires encontraram a fortaleza; os missionários, a
coragem e os contemplativos, a consolação. Procuremos também nós tão nobre
alimento para nossas almas e nos reunamos à multidão dos que sempre buscaram “noite
e dia meditar a lei do Senhor” (Sl 1,3).
Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.
Paz e Bem!
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