sábado, 2 de junho de 2012

Amizade entre Clara e Francisco



Muitas pessoas, influenciadas geralmente por filmes, acham que São Francisco e Santa Clara, quando jovens, foram enamorados e apaixonados um pelo outro. Para esclarecer essa questão vamos procurar nas fontes históricas alguns elementos que nos proporcionem uma visão adequada e verdadeira da relação entre esses dois grandes santos de Assis.


O estudioso Optatus van Asseldonk nos assegura que, antes da conversão, São Francisco não teve nenhum contato com Clara: “Nas fontes históricas não há nenhuma alusão a um eventual contato direto entre os dois jovens, antes do seu relacionamento espiritual-vocacional.” (Dicionário Franciscano, Vozes, 1999, pág. 37).


Lembremo-nos de que Francisco era mais velho do que Clara pelo menos onze ou doze anos. Ele nasceu em 1181 ou 1182 e ela nasceu em 1193 ou 1194. Quando Francisco se despoja diante do bispo de Assis e se veste como eremita, Clara era uma menina de doze ou treze anos enquanto ele já tinha por volta de vinte e quatro anos.



Como foi a origem da amizade entre os dois santos?
Vejamos o que nos informa a Legenda de Santa Clara:

“Quando ouviu falar do então famoso Francisco que, como homem novo, renovava com novas virtudes o caminho da perfeição, tão apagado no mundo, quis logo vê-lo e ouvi-lo (...).
Ele, conhecendo a fama de tão agraciada donzela, não tinha menor desejo de ver e falar com ela (...). Ele a visitou, e ela o fez mais vezes ainda, moderando a frequência dos encontros para evitar que aquela busca divina fosse notada pelas pessoas e mal interpretada por boatos.
A moça saía de casa, levando uma só companheira, e frequentava os encontros secretos com o homem de Deus (...).
O Pai Francisco exortava-a a desprezar o mundo, mostrando com vivas expressões que a esperança do século é seca e sua aparência enganadora. (...)
Então, submeteu-se toda ao conselho de Francisco, tomando-o como condutor de seu caminho, depois de Deus.” (Legenda de Santa Clara 5-6).



No Processo de Canonização a Irmã Beatriz, monja em São Damião e irmã carnal de Clara, nos informa sobre os inícios da amizade entre os dois santos:
“Disse que São Francisco, conhecendo a fama de sua santidade, foi visitá-la muitas vezes para lhe falar e que a virgem Clara concordou com o que ele dizia, renunciou as coisas terrenas e foi servir a Deus o mais depressa que pôde.” (Proc. De Canonização, 12ª testemunha).



No seu Testamento, Clara recorda a promessa que São Francisco tinha feito a ela e suas irmãs:
“Vendo o bem-aventurado Francisco que nós, embora frágeis e fisicamente sem forças, não recusávamos nenhuma privação, pobreza, trabalho, tribulação, nem humilhação ou o desprezo do mundo ... alegrou-se muito no Senhor. E, movido de piedade para conosco, assumiu o compromisso, por si e por sua Ordem, de ter sempre por nós o cuidado diligente e a mesma atenção especial que tinha para com seus irmãos.
E assim, por vontade de Deus e do nosso bem-aventurado pai Francisco, fomos morar junto da igreja de São Damião.” (Testamento 27-30).



Mesmo não sendo frequentes os encontros de Francisco com Clara e suas irmãs, ele as amava com profundo amor fraternal:
“De vez em quando, admirando-se os irmãos de que ele não visitasse mais frequentemente tão santas servas de Cristo com sua presença corporal, ele dizia: ‘Não creiais, caríssimos, que eu não as ame com perfeição. (...) Dou-vos o exemplo para que, como eu faço, façais também vós. Não quero que alguém se ofereça espontaneamente para visitá-las, mas ordeno que sejam delegados aos serviços delas, contra a vontade e resistindo muito, tão somente homens espirituais, provados por digno e longo modo de vida.” (2Celano 205).


Tomás de Celano faz uma observação a respeito da pouca presença do seráfico pai em São Damião:
“Embora o pai pouco a pouco lhes subtraísse a sua presença corporal, no entanto, intensificou no Espírito Santo a disposição para cuidar delas.” (2Celano 204).


“Da parte de Clara o afeto e a amizade por Francisco parecem ter causado poucos problemas de consciência. Ela e suas irmãs exprimirão espontânea e frequentemente o desejo de ver e ouvir o Pai. Os frades, a começar pelo vigário, aprovam esse desejo (cf. 2Cel 207).” (Dic. Franciscano, Vozes, 1999, pág. 39).


Estando já bem próximo da morte de São Francisco, a bem –aventurada Clara “como estivesse muito enferma e temesse morrer antes que o bem-aventurado Francisco, chorava com alma amarga e não podia consolar-se, porque não podia ver antes de sua morte o seu único pai depois de Deus (...). E, por isso, comunicou por um irmão ao bem-aventurado Francisco. O bem-aventurado Francisco, ouvindo isto, como a amasse com paternal afeto – a ela e suas irmãs – pelo santo modo de vida delas, moveu-se de piedade (...).
Mas o bem-aventurado Francisco, considerando que o que ela desejava – a saber, vê-lo -, não podia acontecer naquela ocasião, porque ambos estavam gravemente enfermos, para consolá-la escreveu-lhe por carta a sua bênção (...). Dizendo ao mesmo irmão que ela enviara: ‘Vai e leva esta carta à senhora Clara e dir-lhe-ás que deixe de lado toda dor e tristeza, porque agora não pode ver-me; mas saiba em verdade que, antes de sua morte, tanto ela quanto suas irmãs me verão e terão de mim a maior consolação.” (Compilação de Assis 13).  






Há uma belíssima página da obra “I Fioretti” que retrata o amor fraternal que unia Francisco e Clara:



“São Francisco, quando estava em Assis, frequentes vezes visitava Santa Clara, dando-lhe santos ensinamentos. E tendo ela grandíssimo desejo de comer uma vez com ele, o que lhe pediu muitas vezes, ele nunca lhe quis dar esta consolação. Vendo os seus companheiros o desejo de Santa Clara, disseram a São Francisco: “Pai, a nós nos parece que este rigor não é conforme à caridade divina; que à irmã Clara, virgem tão santa, dileta de Deus, não atendas em coisa tão pequenina como é comer contigo; e especialmente considerando que ela por tua pregação abandonou as riquezas e as pompas do mundo. E deveras, se te pedisse graça maior do que esta, devias concedê-la à tua planta espiritual”. Então São Francisco respondeu: “Parece-vos que devo atende-la?” E os companheiros: “Sim, pai: digna coisa é que lhe dês esta consolação”. Disse então São Francisco: “Pois se vos parece, a mim também. Mas, para que ela fique mais consolada, quero que esta refeição se faça em Santa Maria dos Anjos; porque ela esteve longo tempo reclusa em São Damião: ser-lhe-á agradável ver o convento de Santa Maria onde foi tonsurada e feita esposa de Jesus Cristo; e ali comeremos juntos em nome de Deus.


Chegando o dia aprazado, Santa Clara saiu do mosteiro com uma companheira, e, acompanhada pelos companheiros de São Francisco, chegou a Santa Maria dos Anjos e saudou devotamente a Virgem Maria diante do altar onde fora tonsurada e velada; assim a conduziram a ver o convento até a hora do jantar. E nesse tempo São Francisco mandou pôr a mesa sobre a terra nua como de costume. E chegada a hora de jantar, sentaram-se São Francisco e Santa Clara, juntos, e um dos companheiros de São Francisco com a companheira de Santa Clara, e depois todos os companheiros de São Francisco se acomodaram humildemente à mesa.


Como primeira vianda São Francisco começou a falar de Deus tão suave, tão clara, tão maravilhosamente que, descendo sobre eles a abundância da graça divina, ficaram todos arrebatados em Deus. E estando assim arrebatados, com os olhos e as mãos levantados para o céu, os homens de Assis e de Betona e os da região circunvizinha viram que Santa Maria dos Anjos e todo o convento e a selva, que havia então ao lado do convento, ardiam inteiramente; e parecia que fosse um grande incêndio que ocupasse a igreja, o convento e a selva, ao mesmo tempo. Pelo que os assisienses com grande pressa correram para ali, crendo firmemente que tudo estava ardendo.


Mas, chegando ao convento e não encontrando nada queimado, entraram dentro e acharam São Francisco com Santa Clara e com toda a sua companhia arrebatados em Deus em contemplação e assentados ao redor desta humilde mesa. Pelo que compreenderam ter sido aquilo fogo divino e não material, o qual Deus tinha feito aparecer miraculosamente para demonstrar e significar o fogo do divino amor no qual ardiam as almas daqueles santos frades e santas monjas; de onde voltaram com grande consolação em seus corações e com santa edificação. (...)


E assim, terminado aquele bendito jantar, Santa Clara, bem acompanhada, voltou a São Damião. (...) As irmãs muito se alegraram quando a viram voltar; e Santa Clara ficou de ora em diante muito consolada. Em louvor de Cristo. Amém. (I Fioretti 15).





Paz e Bem!



Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.

Um comentário:

  1. Olá, frei Salvio!

    É uma belíssima história. E como Deus operou na vida destes dois santos... É maravilhoso esse episódio do fogo, do amor divino.
    Muito me emociona a humildade, o respeito, e a consideração que São Francisco teve para com os irmãos, quando pergunta: Parece-vos que devo atendê-la? Pois se vos parece, a mim também.
    E ainda mais, a preocupação de que santa Clara saia do clautro, e vá a Santa Maria dos Anjos, para rever o convento onde foi tonsurada e consagrada.

    Paz e Bem!
    Socorro Melo

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