segunda-feira, 1 de agosto de 2011


A Porciúncula, lugar predileto de São Francisco

         No dia 02 de agosto, a Ordem Franciscana celebra a festa da Porciúncula, lugar predileto de São Francisco. Trata-se da pequenina capela, verdadeiro berço da família franciscana, que se encontra atualmente dentro da grande basílica de Nossa senhora dos Anjos, na planície de Assis.







“No passado entendia-se por Porciúncula uma outra realidade. Era uma região pantanosa e caracterizada pela presença de bosques que se localizava na planície sudoeste de Assis ocupando alguns quilômetros. No meio desta planície existia uma capela dedicada à Virgem, sob a denominação de Santa Maria dos Anjos, ou, devido à região, Santa Maria da Porciúncula” (Dicionário Franciscano, Vozes, 1999, pag. 600).




Antigo desenho mostrando no alto a cidade de Assis
e na planície a Porciúncula em meio às celas
 que serviam de residência para os frades de São Francisco.


O seráfico pai já tinha restaurado a capela de São Damião e a capela de São Pedro quando chegou à Porciúncula:

“Ele se transferiu a outro lugar que se chama Porciúncula, no qual havia uma igreja da bem-aventurada Virgem Mãe de Deus construída na antiguidade, mas estava então deserta e por ninguém era cuidada. Quando o santo de Deus a viu assim destruída, movido de compaixão, porque se abrasava de devoção para com a Mãe de toda bondade, começou a morar aí permanentemente. E aconteceu que, depois que restaurou a dita igreja, decorria o terceiro ano de sua conversão. Neste tempo, trajando um hábito parecido com o eremítico, cingindo uma correia e portando um bastão, andava com os pés calçados” (1Celano 21).







São Boaventura escreve assim a esse respeito:

São Francisco “foi para um lugar que se chama Porciúncula, no qual existira uma igreja da Beatíssima Virgem Mãe de Deus, construída antigamente, mas agora abandonada, sem que ninguém dela cuidasse. Quando o homem de Deus a contemplou tão abandonada, pela fervorosa devoção que tinha para com a Senhora do mundo, começou a morar ali assiduamente para a restauração da mesma. E, sentindo aí a frequência das visitações angelicais, de acordo com o nome desta igreja que desde a Antiguidade era chamada Santa Maria dos Anjos, estabeleceu-se aí por causa da reverência aos anjos e por causa do amor especial à Mãe de Cristo” (Legenda Maior 2, 8).







Ali, na Porciúncula, foi revelada para São Francisco a “forma de vida” que ele deveria abraçar:

 “Num certo dia, quando se lia na mesma igreja o Evangelho sobre como o Senhor enviara seus discípulos a pregarem, estando presente o santo de Deus, como tivesse entendido de alguma forma as palavras do Evangelho, depois que se celebraram as solenidades da missa, ele suplicou humildemente ao sacerdote que lhe fosse explicado o Evangelho. (...) Ouvindo São Francisco que os discípulos de Cristo não deviam possuir ouro ou prata ou dinheiro, não levar bolsa nem alforje nem pão nem bastão pelo caminho nem ter calçados nem duas túnicas, mas pregar o reino de Deus e a conversão, (...) disse: ‘É isto que eu quero, é isto que eu procuro, é isto que eu desejo fazer do íntimo do coração’. Por conseguinte, apressa-se o santo pai, transbordando de alegria, em cumprir o salutar conselho e não suporta demora alguma, mas começa devotamente a colocar em prática o que ouviu. Desata imediatamente os calçados dos pés, depõe o bastão das mãos e, contente com uma só túnica, trocou a correia por um cordão. Desde então, prepara para si uma túnica (...) prepara-a muito áspera (...) prepara-a, finalmente, paupérrima e grosseira, para que de maneira alguma ela possa ser desejada pelo mundo” (1Celano 22).







De quem São Francisco recebeu a Porciúncula?

         “Aos beneditinos do mosteiro do monte Subásio pertencia a capela e talvez uma pequena (ou grande?) área em torno dela; o restante do território (Porciúncula) pode ter tido outros proprietários. São Francisco solicita e obtém dos beneditinos o que lhe bastava para uma vida tranqüila em torno da capela” (Dicionário Franciscano, Vozes, 1999, pág. 606).



Interior da Porciúncula.


        
           Os monges de São Bento “concederam ao bem-aventurado Francisco e seus irmãos a igreja de Santa Maria da Porciúncula, como a mais pobrezinha igreja que tinham. (...) E, embora o abade e os monges tivessem concedido livremente aquela igreja ao bem-aventurado Francisco e a seus irmãos, (...) o bem-aventurado Francisco (...) mandava-lhes anualmente, em sinal de maior humildade e pobreza, uma cestinha de peixes. (...) Por causa da humildade do bem-aventurado Francisco, que fazia aquilo por própria vontade, [os monges] davam a ele e aos irmãos um vaso cheio de óleo” (Compilação de Assis 56).





A Porciúncula era o lugar predileto de São Francisco:



“O santo homem amou este lugar mais do que os outros lugares do mundo; pois aqui ele começou humildemente, aqui ele progrediu virtuosamente, aqui ele terminou de maneira feliz, e na morte recomendou este lugar aos irmãos como o mais caro à Virgem” (Legenda Maior 2, 8).


Lateral da Porciúncula.



 O pai seráfico dizia a seus frades: “Cuidai, filhos, para nunca deixardes este lugar. Se fordes expulsos por uma parte, entrai de novo por outra; pois este lugar é verdadeiramente santo e habitação de Deus. Aqui, quando éramos poucos, o Altíssimo nos aumentou; aqui, com a luz de sua sabedoria, ele iluminou os corações de seus pobres; aqui, com o fogo de seu amor, inflamou as nossas vontades. Quem rezar aqui com coração devoto obterá o que pedir, e aquele que o ofender será mais gravemente punido. Por esta razão, filhos, tende em toda honra este lugar da habitação de Deus” (1Celano 106).






“Francisco, o servo de Deus, pequeno de estatura, humilde de espírito, menor por profissão, enquanto vivia no mundo, escolheu do mundo para si e para os seus uma pequena porção. (...) Desde os tempos antigos se chamava Porciúncula o lugar que devia caber por sorte àqueles que absolutamente nada desejavam ter do mundo. (...) O santo amou este lugar mais do que a todos, ordenou que os irmãos o venerassem com especial reverência” (2Celano 18).






O pai seráfico morou com seus primeiros companheiros na Porciúncula:

“Chegando ao conhecimento de muitos a verdade tanto da doutrina simples como da vida do bem-aventurado Francisco, após dois anos desde a sua conversão, alguns homens começaram a ser animados pelo exemplo dele à penitência. (...) O primeiro dentre eles foi Frei Bernardo, de santa memória. (...) Levantando-se, portanto, de manhã, com um outro de nome Pedro, que também desejava tornar-se irmão, foram à igreja de São Nicolau na praça da cidade de Assis. (...) Terminada a oração, o bem aventurado Francisco, tomando o livro fechado, pondo-se de joelhos diante do altar, abriu-o. E, na primeira abertura deste, ocorreu aquele conselho do Senhor: ‘Se queres ser perfeito, vai e vende tudo o que possuis e dá aos pobres e terás um tesouro no céu’ (Mt 19,21). (...) O bem-aventurado Francisco (...) disse aos mencionados senhores, a saber, Bernardo e Pedro: ‘Irmãos, esta é nossa vida e nossa regra...’ (...). Tendo abandonado tudo, ambos receberam ao mesmo tempo o hábito, que pouco antes o santo adotara (...). Francisco, o homem de Deus, associado aos dois irmãos, como foi dito, como não tivesse hospedaria onde ficar com eles, juntamente com eles se transferiu a uma igreja pobrezinha e abandonada, que se chama Santa Maria da Porciúncula, e aí eles construíram uma casinha na qual antigamente moravam juntos. Depois de alguns dias, veio um homem de Assis, chamado Egídio, e, pondo-se de joelhos, pediu ao homem de Deus, com grande reverência e devoção, que o acolhesse  em sua companhia” (Legenda dos Três Companheiros 27-29.32).




Na Porciúncula, a jovem Clara de Assis se consagrou ao Senhor pelas mãos de Francisco:

“São Francisco cortou seu cabelo diante do altar, na igreja da Virgem Maria, chamada Porciúncula, e a levou para a igreja de São Paulo das Abadessas” (Processo de Canonização 12, 4).






São Francisco costumava reunir seus frades na Porciúncula para os Capítulos da Ordem. Dali, os irmãos partiam em missão:



“E no ano do Senhor de 1219, (...) Frei Francisco, em Capítulo realizado em Santa Maria da Porciúncula, enviou irmãos à França, à Alemanha, à Hungria, à Espanha e a outras províncias da Itália, às quais os irmãos ainda não haviam chegado” (Crônica de Jordão de Jano 3).


Na Porciúncula aconteceu o famoso “Capítulo das Esteiras” durante o qual Santo Antonio se encontrou pela primeira vez com São Francisco:





“No ano de Senhor de 1221 (...) no santo dia de Pentecostes, o bem-aventurado Francisco celebrou o Capítulo geral em Santa Maria da Porciúncula. (...) Os irmãos que compareceram foram calculados em três mil irmãos. (...) Acomodavam-se sob esteiras em campo espaçoso e cercado, (...). Neste capítulo o povo da terra servia com espírito de prontidão, fornecendo pão e vinho, alegres por uma reunião de tantos irmãos e pelo regresso do bem-aventurado Francisco. De fato, não vi na Ordem um Capítulo como este, tanto pela multidão dos irmãos quanto pela solenidade dos que serviam.” (Crônica de Jordão de Jano 16).


Uma das cenas mais belas ocorridas na Porciúncula é descrita com grande singeleza na obra intitulada ‘I Fioretti’:



“São Francisco, quando estava em Assis, frequentes vezes visitava Santa Clara, dando-lhes santos ensinamentos. E tendo ela grandíssimo desejo de comer uma vez com ele, o que lhe pediu muitas vezes, ele nunca quis lhe dar esta consolação. Vendo os seus companheiros o desejo de Santa Clara, disseram a São Francisco: ‘Pai, a nós nos parece que este rigor não é conforme à caridade divina (...). Disse então São Francisco: ‘Pois se vos parece, a mim também. Mas, para que ela fique mais consolada, quero que esta refeição se faça em Santa Maria dos Anjos; porque ela esteve longo tempo reclusa em São Damião: ser-lhe-á agradável ver o convento de Santa Maria onde foi tonsurada e feita esposa de Jesus Cristo; e ali comeremos juntos em nome de Deus’. Chegando o dia aprazado, Santa Clara saiu do mosteiro com uma companheira, e, acompanhada pelos companheiros de São Francisco, chegou a Santa Maria dos Anjos. (...) E chegada a hora do jantar, sentaram-se São Francisco e Santa Clara (...) depois todos os companheiros de São Francisco se acomodaram humildemente à mesa. (...) São Francisco começou a falar de Deus tão suave, tão clara, tão maravilhosamente que (...) ficaram todos arrebatados em Deus. (...) Os homens de Assis e de Betona e os da região circunvizinha viram que Santa Maria dos Anjos e todo o convento e a selva, que havia ao lado do convento, ardiam inteiramente; e parecia que fosse um grande incêndio (...) Mas, chegando ao convento e não encontrando nada queimado, entraram dentro e acharam São Francisco com Santa Clara e com toda a sua companhia arrebatados em Deus em contemplação e assentados ao redor desta humilde mesa. ... Terminado aquele bendito jantar, Santa Clara, bem acompanhada, voltou a São Damião. Pelo que as irmãs ao vê-la tiveram grande alegria” (I Fioretti 16).

Quando percebeu que a irmã morte já estava bem próxima, o seráfico pai pediu para ser transportado para a Porciúncula:




“Ao ver que estava iminente o último dia (...). Estava, naquela ocasião, hospedado no palácio do bispo de Assis e, por esta razão, rogou aos irmãos que o transportassem apressadamente ao eremitério de Santa Maria da Porciúncula. Pois queria entregar a alma a Deus lá onde, como foi dito, no início conheceu com perfeição o caminho da verdade” (1Celano 108).






     

O PERDÃO DE ASSIS

(A Indulgência da Porciúncula)



Uma das maiores festas do calendário franciscano é, sem dúvida, o dia do “Perdão de Assis” (02 de agosto). Este é o nome dado àquela indulgência que São Francisco pediu ao papa Honório III em favor de todos os fiéis que visitassem piedosamente a pequenina capela de Santa Maria dos Anjos, conhecida também como Porciúncula.





Um dos documentos mais conhecidos sobre esta indulgência é o ‘Diploma do Frei Teobaldo, Bispo de Assis’ (1296 a 1329). Neste documento, datado de 1310, ele relata que numa certa noite na Porciúncula São Francisco recebeu uma revelação segundo a qual deveria se dirigir ao papa Honório III que estava na vizinha cidade de Perúgia para pedir-lhe a mencionada indulgência. No dia seguinte o pai seráfico correu apressadamente para alcançar tão grande privilégio para aquela pequenina igreja que tinha sido restaurada por ele há pouco tempo. O papa perguntou a São Francisco por quantos anos ele queria aquela indulgência. A resposta foi: “Que vossa santidade não me conceda anos, mas almas... quereria, se assim vos aprouver, que todo aquele que vier a esta igreja, confessado e contrito, seja absolvido de todos os seus pecados, da culpa e da pena, no céu e na terra, desde o dia do batismo até a hora em que entrar nesta igreja”. O papa explicou ao santo que não era costume da cúria romana conceder um privilégio como esse. Mas como São Francisco afirmava que estava ali não por iniciativa própria e sim como um enviado do Senhor, o papa atendeu o pedido do santo (cf. Dicionário Franciscano, Vozes, 1999, pág. 604).


Interior da Porciúncula.



Os primeiros biógrafos de São Francisco, como Tomás de Celano e São Boaventura, não mencionam tal episódio. Os testemunhos a esse respeito são mais tardios como o do Frei Pedro João Olivi que em 1279 afirma a veracidade do privilégio concedido pelo Santo Padre ao Pobrezinho de Assis (cf. Dicionário Franciscano, Vozes, 1999, pág. 604).





O Frei Tomás de Celano nos conta que num certo dia um frade de São Francisco teve uma bela visão referente à Porciúncula:

“Viu que inúmeros homens atingidos na vista por deplorável cegueira, com o rosto voltado para o céu, estavam ajoelhados ao redor desta igreja. Todos eles com voz lacrimosa, com as mãos estendidas ao alto, clamavam a Deus, pedindo misericórdia e a luz. E eis que veio do céu enorme esplendor que se difundia sobre todos e deu luz a cada um e concedeu a saúde desejada” (2Celano 20).







Como essa Indulgência se espalhou pelo mundo



# O privilégio da grande indulgência, durante duzentos anos, era exclusivo da Igreja da Porciúncula.







# O Papa Sixto IV (OFM) estendeu-a em 1480 a todas as igrejas de religiosos franciscanos.







# O Papa Pio X concedeu a indulgência a todas as Igrejas Matrizes do mundo.




# O Papa Paulo VI, sobre esta indulgência, escreveu a carta apostólica “Sacrosancta Portiunculae Eclesia” em 1966.






O que são as Indulgências?



Depois de receber o perdão de Deus no sacramento da Confissão, o fiel se liberta da “pena eterna” do seu pecado que é o afastamento para sempre de Deus (inferno). Ficam, porém, certas marcas na alma do pecador das quais ele precisa se libertar num processo de penitência e santificação. Deus perdoou a “culpa”, mas o pecado deixou sequelas no pecador. Essas marcas ou sequelas são chamadas de “penas temporais”. A Mãe Igreja, desejando a santificação de seus filhos, sai em socorro deles com suas orações e preces diante de Deus. Indulgência é a “oração da Igreja pedindo que seus membros sejam libertados das conseqüências danosas que o pecado deixa. (...) As indulgências são uma ajuda que a Igreja nos dá no processo de conversão: pela oração eclesial a graça de Cristo atua para nos libertar dos apegos e dependências que o pecado provoca em nós impedindo-nos a uma total abertura para o Cristo. Esta oração, a Igreja faz não somente pelos vivos, mas também pelos defuntos!” (Dom Henrique Soares).






Como receber a Indulgência da Porciúncula?

        

1Confissão sacramental – por este sacramento o fiel arrependido de seus pecados recebe a graça do  perdão;

         2Comunhão eucarística – o fiel comunga o Corpo do Senhor para se unir mais profundamente a ele;

         3Oração pelo Papa – com uma oração espontânea ou pelo menos com um Pai nosso e Ave Maria o fiel reza pelo Papa e por suas intenções;

         4Praticar a obra indulgenciada – visitar piedosamente uma igreja paroquial ou um santuário no dia 02 de agosto e rezar nela o Credo, o Pai nosso e a Ave Maria.

        

Atenção! Esses gestos devem exprimir uma verdadeira atitude interior de conversão para que a graça possa atuar em nós. Portanto, aproximemo-nos do Senhor com um coração contrito e arrependido para receber aquele dom que São Francisco pediu em favor de todos os pecadores.




Anexo 1:    Fotos



Basílica de Santa Maria dos Anjos dentro da qual está a Porciúncula.



Basílica Patriarcal de Santa Maria dos Anjos em Assis.



Basílica de S. Maria dos Anjos.



Basílica de Santa Maria dos Anjos.






João Paulo II rezando pela paz com outros líderes religiosos na Porciúncula.



Basílica de Santa Maria dos Anjos.



Antiga pintura do altar da Porciúncula.



Basílica à noite.



Assis vista da planície onde está a Porciúncula.



Assis ao longe.



Assis ao longe.



Chegando em Assis.



Sacro Convento de Assis junto à Basílica onde está o Corpo de São Francisco.









Anexo 2:





Carta apostólica de Paulo VI sobre a Porciúncula











Ao Revmo. Padre Constantino Koser, Vigário Geral da Ordem dos Frades Menores, na passagem do 750º ano da “Indulgência da Porciúncula”, concedida pelo Papa Honório III a São Francisco.




      
Ao dileto filho, saudação e bênção apostólica.



      A sacrossanta igreja da Porciúncula, que São Francisco “amou acima de qualquer outro lugar no mundo”, tornou-se dia após dia mais célebre no mundo católico, porque ali o seráfico Pai maravilhosamente disse e fez muitas coisas, mas sobretudo porque foi enriquecida com especial indulgência, que por isso é chamada de “Indulgência da Porciúncula”, e que há muitos séculos é lucrada por aqueles que piedosamente visitam aquela igreja.

       Nestes dias em que se celebra o 750º ano desta indulgência, segundo a tradição concedida a São Francisco por Honório III e muitas vezes confirmada, no decorrer dos séculos, por nossos Predecessores, é para Nós um prazer dirigir-nos aos fiéis cristãos que, continuando o costume e o uso dos antepassados, dirigem-se à Porciúncula, que refulge por insigne antigüidade, para ali procurarem uma mais perfeita e pronta reconciliação com Deus, onde “quem orar com devoção alcançará o que pedir” .

       Para repetirmos as palavras que recentemente escrevemos movidos por solicitude pastoral, “somente podemos achegar-nos ao Reino de Cristo pela ‘metanoia’, isto é, mediante a íntima transformação de todo o homem, pela qual ele começa a pensar, a julgar e a regular sua vida sob o impulso da santidade e caridade de Deus, ultimamente manifestadas no Filho e plenamente comunicadas a nós”.



       Ora, é exatamente aos fiéis, que levados pela penitência se esforçam por chegar a esta ‘metanoia’, para que, após o pecado, alcancem a santidade com a qual foram vestidos em Cristo pelo batismo, que a Igreja vai ao encontro também com a distribuição das indulgências, como que para sustentar com o materno abraço de sua ajuda a fragilidade de seus filhos enfermos.



       Portanto, a indulgência não é o caminho mais fácil pelo qual possamos evitar a necessária penitência dos pecados; mas é antes um apoio que os todos os fiéis, humildemente conscientes de sua fraqueza, encontram no corpo místico de Cristo, que “colabora para a sua conversão com caridade, exemplo e orações”.



       Um ensinamento claríssimo de tal vontade de penitência, unida à consciência da própria enfermidade nos foi deixado pelo próprio São Francisco, aquele que se apresenta a nós tão perfeitamente expresso como “o novo homem que foi criado por Deus em justiça e verdadeira santidade”. Com efeito, ele não só nos dá um exemplo de sua radical conversão a Deus e de uma vida verdadeiramente penitente, mas em sua Regra também manda que se admoestem os homens “a perseverarem todos na verdadeira fé e penitência, porque de outra forma ninguém poderá salvar-se”; igualmente, na explicação da oração do Senhor, assim implora ao Pai que está nos céus: “perdoai-nos as nossas ofensas: por vossa inefável misericórdia e o inaudito sofrimento de vosso dileto Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, e pela poderosa intercessão da beatíssima Virgem Maria, bem como pelos méritos e súplicas de todos os vossos eleitos".



       Com razão, cremos que estas exortações de São Francisco, como também a admirável caridade que o levou a pedir para todos os fiéis a indulgência da Porciúncula tenham nascido do desejo de comunicar aos outros a doçura de espírito que ele mesmo experimentou após pedir a Deus o perdão dos pecados. É o que Frei Tomás de Celano, o principal escritor da vida deste homem seráfico, nos narra com delicadíssimas palavras: “Admirando a misericórdia do Senhor nos muitos benefícios que executava por seu intermédio, e desejando que o Senhor se dignasse mostrar-lhe o progresso que ele e os seus fariam na perfeição, foi para um lugar de oração, como fazia com freqüência. Lá ficou bastante tempo rezando com temor e tremor, diante do Senhor de toda a terra. Relembrando com amargura os anos que aproveitara mal, repetia sem cessar: ‘Deus, tende piedade de mim que sou pecador’. O íntimo de seu coração começou a extravasar sensivelmente uma alegria incontável e uma suavidade sem tamanho. Sentiu-se desfalecer, dissipando-se os temores e as trevas que se tinham juntado em seu coração por medo do pecado, e lhe foi infundida uma certeza da remissão de todos os pecados e uma confiança de que viveria da graça”. Ora, o primeiro fruto da penitência é a consciência dos nossos pecados: “Se queres que Deus te perdoe, reconhece-te pecador. Sê juiz de teu pecado, não advogado”.



       Por isso, fazendo-nos acusadores de nós mesmos diante da Igreja, à qual Jesus Cristo entregou as chaves do reino dos céus, receberemos a remissão da culpa e da pena; todavia, isso não deve retardar o caminho de nosso retorno a Deus. Devemos assumir o jugo de Cristo, sua cruz que encontramos ou que abraçamos voluntariamente pela mortificação; pelas boas obras e sobretudo pelos frutos da caridade fraterna, é preciso que demonstremos a sinceridade de nosso retorno à casa do Pai e nossa mais plena e nova inserção no corpo de Cristo, que é a Igreja.



       O fiel penitente que faz essa renovação do espírito, como dissemos acima, não está só, pois “de certo modo é purificado pelas obras de todo o povo e é lavado e limpo interiormente pelas lágrimas de todo aquele que é redimido do pecado pelas orações e lágrimas do povo. Porque Cristo deu à sua Igreja o poder de redimir um fiel por meio de todos, o deu a ela, que mereceu a vinda do Senhor para que todos fossem redimidos por meio de um” .



       A indulgência que a Igreja concede aos penitentes é manifestação da admirável comunhão dos Santos, que une misticamente no vínculo da caridade de Cristo a Beatíssima Virgem Maria e o conjunto dos cristãos triunfantes no céu ou que permanecem no purgatório ou que peregrinam na terra. Com efeito, a indulgência que é concedida por ação da Igreja diminui ou abole totalmente a pena que, de algum modo, impede o homem de conseguir uma mais estreita união com Deus; por isso, nesta especial forma da caridade eclesial, o fiel penitente encontra um válido auxílio para despir-se do velho homem e revestir-se do novo, “que vai se renovando para o conhecimento segundo a imagem de quem o criou”.



       Em base a estas reflexões, desejamos que o 750º aniversário da concessão desta indulgência seja de tal modo celebrado que a Porciúncula seja realmente o santuário do pleno perdão e da garantida paz com Deus.



       Bem sabemos que no decorrer de tantos séculos grande número de peregrinos acorreram à igreja da Porciúncula, através de longas e difíceis viagens, para encontrarem nos braços da Rainha dos Anjos, a quem a capela e a basílica da Porciúncula é dedicada, a serenidade de espírito pelo perdão dos pecados e pela renovação da graça divina. Sabemos também que ainda hoje, mas especialmente na festa da dedicação da mesma capela, dia em que a indulgência da Porciúncula é estendida a todas as igrejas da Ordem Franciscana, muitos peregrinos chegam à Porciúncula, não levados pela curiosidade ou pelo prazer, mas somente para pedir a Deus o perdão dos pecados, para depois sentir-se mais na intimidade do Pai celeste. Realmente, são estes os peregrinos que verdadeiramente nos mostram o significado da grande peregrinação da vida do homem: uma longa e árdua caminhada que nos conduz a Deus.



       Realmente, seria de desejar que as peregrinações, individuais ou de grupos, tornadas mais freqüentes pela facilidade dos meios de transporte, não perdessem o caráter de piedade e de penitência, mas conservassem este sentido de um esforço profundamente religioso.



       Queira Deus que não seja interrompida a secular tradição da peregrinação à igreja da Porciúncula, devotamente empreendida por nosso imediato Predecessor João XXIII, mas antes cresça o número dos fiéis que, neste santuário vão ao encontro de Cristo, Senhor misericordioso, e de sua Mãe, que é poderosa intercessora junto a Ele.



       Esperando que tudo aconteça conforme o nosso desejo, a ti, dileto filho, a toda a família franciscana e a todos que se reunirão no santuário da Porciúncula para celebrar solenemente este aniversário, com prazer concedemos no Senhor a bênção apostólica.



       Dada em Roma, junto a São Pedro, no dia 14 do mês de julho, de 1966, quarto ano de nosso Pontificado.





PAPA PAULO VI





PAX ET BONUM!



Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.  






4 comentários:

  1. Meu caríssimo confrade, meus parabéns em primeiro lugar pelo belíssimo material postado por vc neste seu blog, é uma relíquia de material, muito rico em conteudo pra toda a família franciscana!
    Que nossa senhora dos anjos, interceda por cada um de nós frades e de toda a família franciscana e todos os quais sentem em seu coração o desejo franciscano de vida!
    Abração!!! Frei nivaldo!

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  2. Paz e bem!

    Quiçá interesse:

    1 Vídeo legendado em que Lawrence Freeman, OSB explica como meditar:
    http://www.overstream.net/view.php?oid=r7t5nmlpi3r2

    2 Roteiros franciscanos de meditação:
    http://brasilfranciscano.blogspot.com/2009/05/meditacao-crista-meu-roteiro.html
    http://brasilfranciscano.blogspot.com/2009/06/meditacao-crista-outro-roteiro.html

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  3. Seu Blog é maravilhoso. Paz e Bem. ass:mara

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  4. Maravilhoso material, tenho grande admiração por Francisco e Clara, e rogo a Deus por todos vós que buscam inspirações divinas em São Francisco. Que a Paz o Amor e a Caridade sejam sempre presente em vossas vidas.

    Francinete Braz

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