sexta-feira, 1 de julho de 2011

SANTA VERÔNICA GIULIANI




“Encontrei o Amor, o Amor deixou-se contemplar”



No dia 10 de julho a família capuchinha celebra jubilosa a festa litúrgica de mais uma filha ilustre, seguidora fiel dos ensinamentos do pai São Francisco e da mãe Santa Clara. Trata-se de Santa Verônica Giuliani, mística italiana, apaixonada pelo Cristo Crucificado e declarada como patrona dos fotógrafos.


 

O Papa Bento XVI abriu oficialmente as comemorações dos 350 anos do seu nascimento, exortando-nos a um maior conhecimento desta grande mulher da nossa Igreja:

          “Queridos irmãos e irmãs:


Hoje eu gostaria de apresentar uma mística que não é da época medieval: Santa Verônica Giuliani, monja clarissa capuchinha. A razão é que no dia 27 de dezembro comemoraremos os 350 anos do seu nascimento. Città di Castello, onde viveu durante mais tempo e morreu, assim como Mercatello - sua cidade natal - e a diocese de Urbino, vivem com alegria este acontecimento. (...)



Completam-se nestes dias 350 anos do nascimento de Úrsula Giuliani, que, aos 17, entrou no mosteiro das Clarissas Capuchinhas em Città di Castello. Aqui ficará toda a vida, tomando o nome de Verônica, pelo qual é conhecida: Santa Verônica Giuliani. A fonte principal para conhecermos a sua espiritualidade é o Diário: sente-se amada por Cristo, Esposo fiel e sincero, e quer corresponder com todo o amor de que é capaz uma criatura. Revela-se uma testemunha corajosa da beleza e da força do Amor divino, que a atrai, invade e abrasa. É o Amor crucificado que se imprimiu na sua carne - como na de São Francisco de Assis - com os estigmas de Jesus. As últimas palavras de Verônica podem considerar-se a síntese da sua apaixonada experiência mística: "Encontrei o Amor, o Amor deixou-se contemplar!". (Bento XVI, Catequese do dia 15 de dezembro de 2010).



Corpo de Santa Verônica Giuliani.





 Recentemente, também o Ministro Geral da Ordem Capuchinha emitiu uma carta circular ressaltando o valor desta santa capuchinha para a nossa espiritualidade:



 “Caros confrades e
Caras irmãs Clarissas Capuchinhas
O Senhor vos dê a paz!

1. Em 15 de dezembro de 2010, durante a Audiência Geral, o Santo Padre anunciou a abertura do ano dedicado a Santa Verônica Giuliani para recordar os 350 anos de seu nascimento, ocorrido em 27 de dezembro de 1660. Um Ano Jubilar que em 27 de dezembro de 2010 em Città di Castello foi oficialmente inaugurado com a transladação do corpo da santa, do Mosteiro para a Catedral.


Esta santa nos pertence, ela é nossa; vem da reforma capuchinha e concentra em si a imensa e misteriosa potencialidade carismática do “Espírito do Senhor e da sua santa operação”, à qual ela foi docilíssima.





... Uma santa que vive de penitência, de gestos de oferta, de sacrifícios, de renúncias que ela mesma procura ou lhe são impostas e frequentemente são incompreensíveis. É estranho de se dizer, e às vezes incompreensíveis até a ela, ao ponto de um dia fazê-la exclamar: eram “loucuras que o amor me levava a fazer”. Vista de perto e compreendida na sua loucura de amor, Santa Verônica é hoje como era então, a santa dada pelo Senhor para os momentos de crise da fé, para animar às obras da fé e ao amor de Cristo.



Corpo de Santa Verônica Giuliani.


Recolhida por 50 anos no pequeno espaço do mosteiro de Città di Castello, sua vida teria ficado escondida se ela não a tivesse narrado no seu Diário, escrito por obediência. ... A santa, na linha da espiritualidade franciscana, revive a Paixão e a Cruz de Cristo com a intensidade de um martírio interior, unindo a este uma extraordinária alegria.




          
  ...Neste ano jubilar a santa quer sair do silêncio, quer falar ao nosso coração, quer dar-nos a conhecer as insondáveis riquezas do amor de Cristo que ela vivenciou, onde se escondem todos os tesouros da sabedoria e da ciência de Deus (Col 2, 3)” (Carta Circular por ocasião do 350° aniversário de nascimento de Santa Verônica Giuliani, Prot. N. 00400/11).
.

Santa Verônica nasceu numa cidadezinha italiana chamada Mercatello sul Metauro no dia 27 de dezembro de 1660. Era a filha caçula de Francisco Giuliani e Benedita Mancini. Recebeu no batismo o nome de Úrsula. Teve seis irmãs, das quais duas morreram ainda quando bebês e três se tornaram clarissas como ela.


Mercatello


Sua mãe morreu aos quarenta anos de idade, deixando a pequena Úrsula com apenas sete anos. No leito de morte, a senhora Benedita chamou suas cinco filhas e confiou cada uma delas a uma das chagas de nosso Senhor Crucificado. Úrsula foi confiada à chaga do lado do Cristo. Esse gesto marcou profundamente a vida da nossa santa.


A pequena Úrsula com o Menino Jesus.


Desde os primeiros anos de vida, Santa Verônica sentia uma forte sede espiritual. Sua alma ansiava pelas coisas de Deus de um modo singular e diferente das demais crianças. Ela deixou registradas em seu Diário diversas experiências místicas acontecidas desde sua infância. Uma das mais belas aconteceu quando ela, ainda bem pequena, viu o Menino Jesus entre as flores do seu jardim. Tendo desaparecido, ela não parava de buscá-lo por todos os lugares, dando a impressão de que tivesse ficado louca. Ainda quando criança, querendo imitar os santos mártires, gostava de se dar às mais diversas mortificações. Certa vez encheu suas pequenas mãos com várias brasas, sofrendo horrendas queimaduras para o desespero de seus familiares.


Jardim da família de Santa Verônica em Mercatello,
hoje pátio do Mosteiro das Capuchinhas.
As esculturas lembram o encontro de Verônica com o Menino Jesus.



Entre 1669 e 1672 Úrsula com suas irmãs e seu pai foram morar em Piacenza. Aí ela fez a sua primeira comunhão aos 02 de fevereiro de 1670. Mais tarde ela escreverá: “Lembro-me de que na noite precedente não pude dormir. Parava um instante e pensava que o Senhor viria a mim... Ao receber pela primeira vez a comunhão tive a impressão de que ia sair de mim mesma... Senti tamanho calor que fiquei toda abrasada... Sentia o coração como que queimando e não conseguia ficar tranqüila”.


Cidade de Piacenza.



Desde os nove anos de idade Úrsula sentia muito forte o desejo de se consagrar inteiramente a Deus: “Quanto mais crescia na idade maior era o desejo de ser monja. Eu o dizia mas ninguém queria acreditar e todos me contrariavam. Em particular meu pai que chegou a chorar e dizia que não queria em absoluto e para me tirar daquele pensamento muitas vezes convidava à casa pessoas amigas e na presença delas oferecia-me a oportunidade de folguedos, recreios e passeios”.


Casa paterna de Santa Verônica  em Mercatello
transformada mais tarde em um Mosteiro de Clarissas Capuchinhas.



Em 1672 o pai de Úrsula a envia com suas irmãs de volta a Mercatello para morar com o tio Rasi. Tornou-se uma jovem bela, inteligente, divertida e admirada pelos rapazes. Muito tempo depois dirá uma religiosa que conviveu com ela: “Desde menina tinha rosto risonho e tal o manteve também no mosteiro”. Quando jovenzinha, gostava de se divertir com suas amigas, jogando baralho ou xadrez. Nos dias de carnaval costumava sair mascarada pelas ruas de sua cidade. Certa vez saiu fantasiada com roupas masculinas brincando com muita alegria. Apesar de muito atraente, rejeitava sempre qualquer pedido de namoro já que seu coração sempre pertenceu ao amado Jesus. Ela chegou até aprender a lutar com espadas (esgrima) porque certa vez ouviu uma voz misteriosa que dizia: “Para a guerra! Para a guerra!” Só mais tarde ela entenderá que se tratava de outro tipo de guerra. Muitos dos traços desta jovem de caráter vivo e ardoroso nos fazem recordar do jovem Francisco de Assis antes de sua conversão. Certa vez ela escreveu: “em casa todos me apelidavam de ‘fogo’, pois por todos os estragos que aconteciam era sempre eu a culpada”. Sua mãe Benedita dizia: “Tu és aquele fogo que eu sentia nas entranhas enquanto estavas no meu seio”.




Úrsula teve conhecimento de que em Città di Castello havia um mosteiro de irmãs clarissas capuchinhas, admirado por todos por causa da austeridade de vida que ali se levava. Sentindo grande atração por aquele estilo de vida, foi até lá na esperança de ser acolhida por aquela comunidade religiosa. Não teria entrado se não fosse a providencial ajuda do bispo Giuseppe Sebastiani que, passando pelo mosteiro, quis examinar aquela jovenzinha. O bispo daquela cidade ficou tão admirado com o ardor vocacional de Úrsula e não menos pela sua inteligência e sabedoria que imediatamente pediu às capuchinhas para que recebessem aquela jovem vocacionada.


Clarissas Capuchinhas rezando a Via-Sacra.




Em 1677, aos dezessete anos de idade, com imensa alegria ingressou no mosteiro das clarissas capuchinhas de Città di Castello e aí recebeu o nome de Verônica. Nesta clausura ela permanecerá por cinqüenta anos consecutivos. Sua história foi tão marcada pelo sofrimento que seu lema bem que poderia ser: Sofrer por amor! Jesus a atraiu cada vez mais para a cruz e quis que ela experimentasse do seu padecer pela humanidade. Ao longo dos anos ela participou com muita paciência de todos os tormentos da Paixão de Cristo culminando com a sua estigmatização na Sexta-Feira Santa de 1697.


Città di Castello onde viveu e morreu Santa Verônica.



Ela assumiu os diversos trabalhos no mosteiro com profunda humildade. Foi mestra das noviças por muitos anos e nos últimos tempos de sua vida tornou-se uma abadessa exemplar.


Città di Castello


A pedido do seu confessor, Santa Verônica escreveu ao longo de trinta e quatro anos as suas experiências espirituais e místicas. Graças a esse Diário de 22 mil páginas manuscritas nós podemos conhecê-la mais profundamente. Esta santa percorreu um caminho de santidade baseado no desejo de se conformar cada vez mais a Jesus, e este crucificado. Certa vez apareceu com a cabeça toda ensangüentada por ter recebido misticamente a coroa de espinhos de nosso Senhor. Costumava passear pelos jardins à noite com uma cruz pesadíssima, vestida com um hábito cheio de espinhos lembrando-se do amado Jesus que se entregou por nós.




Instruída pelos ensinamentos franciscanos, Santa Verônica teve aquele mesmo desejo do pai seráfico: sentir no corpo e na alma, tanto quanto lhe fosse possível, aquele mesmo amor e aquela mesma dor que Jesus experimentou em sua Paixão. Recordando o dia 05 de abril de 1697, ela escreveu em seu Diário:




“De repente eu vi sair de suas chagas cinco raios resplandecentes que chegaram até a mim, pareciam pequenas chamas de fogo. Em quatros deles havia os cravos, no quinto uma lança de ouro toda em brasa que transpassou o meu coração enquanto os demais se cravavam nas mãos e nos pés”.














Em seu Diário ela escreveu e desenhou como era o seu coração. De fato, pela autópsia foi revelado o que já tinha sido afirmado por ela. No coração da santa foram encontrados misteriosos desenhos dos instrumentos da Paixão do Senhor: cruz, lança, martelo, cravos, açoites, coluna da flagelação, etc.





Seu amor para com a Virgem Maria sempre foi de muita profundidade, mas a partir de 1700 essa sua singular relação para com a Mãe de Deus se intensifica cada vez mais. No seu Diário ela descreve experiências fortíssimas a esse respeito. No dia 21 de novembro de 1708 ela se oferece totalmente à Virgem declarando-se sua criada. Verônica escreve no seu Diário que em uma espécie de visão provou de dois cálices: um cálice continha o sangue de Cristo e o outro continha as lágrimas da Mãe de Jesus.

Diante desse quadro a pequena Úrsula conversava com a Virgem Maria.


 

 Igreja do Mosteiro das Capuchinhas em Mercatello.
A Virgem ditando o Diário à Santa Verônica.


Por causa dos fenômenos extraordinários ela foi submetida por diversas vezes a interrogatórios e humilhações prolongadas tanto por parte dos oficiais do Santo Ofício quanto por parte de suas superioras. Sofreu com paciência as mais diversas disciplinas: afastamento de suas irmãs de hábito, proibição de falar com outras pessoas, controles contínuos, etc. Somente a partir de 1716, com a idade de 56 anos, é que o Santo Ofício a deixará em paz.





Nesse mesmo ano de 1716 ela é eleita abadessa do seu mosteiro e neste serviço ficará por onze anos até sua morte. Durante esse tempo as vocações se multiplicaram, o mosteiro foi ampliado e até água encanada foi colocada para aliviar o trabalho das irmãs.


Diário de Santa Verônica.


A partir de 1720 passa a escrever o seu Diário sob o ditado da Virgem Maria até o dia 25 de março de 1727, festa da Anunciação, quando finalmente conclui essa sua obra.




Sua vida terrena chegou ao fim no dia 09 de julho de 1727. Vivera sessenta e sete anos abrasada naquele divino amor e agora podia ser toda dele, sem nenhuma reserva. Antes de morrer experimentou trinta e três dias em terrível sofrimento e agonia. Suas últimas palavras foram: “Encontrei o Amor, o Amor se deixou contemplar”. A Santa Igreja a beatificou em 1802 e a canonizou em 1839.


Corpo de Santa Verônica Giuliani exposto na Igreja
do Mosteiro das Capuchinhas em Città de Castello



Fonte bibliográfica principal
 LEONARDI, Frei Giovanni Maria.
Santa Verônica Giuliani,
Mercatello sul Metauro, Itália, 1983



 Veja mais algumas fotos:



Uma das igrejas de Mercatello, cidade natal de Santa Verônica.


Mercatello sul Metauro, cidade natal de Santa Verônica.


Casa paterna de S. Verônica em Mercatello.

Cidade de Piacenza: aqui morou por breve tempo S. Verônica quando criança.

Città di Castello: aqui viveu e morreu S. Verônica.


Cela de Santa Verônica no mosteiro das Capuchinhas em Città di Castello.

Igreja do Mosteiro das Capuchinhas em Città di Castello onde está o corpo de S. Verônica.


Igreja do mosteiro das Capuchinhas em Città di Castello onde viveu S. Verônica.


Casa paterna de S. Verônica em Mercatello transformada
mais tarde em Mosteiro das Capuchinhas.

Mosteiro das Capuchinhas em Mercatello.
Aqui residia a família de S. Verônica.

Mosteiro das Capuchinhas em Città di Castello onde viveu S. Verônica.

Estátua de S. Verônica erguida perto de sua casa paterna em Mercatello. 


 



1º anexo:



Catequese do Papa sobre Verônica Juliani: “Encontrei o Amor!”


CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 15 de dezembro de 2010 - Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos de peregrinos do mundo inteiro, reunidos na Sala Paulo VI para a audiência geral.

***


Queridos irmãos e irmãs:

Hoje eu gostaria de apresentar uma mística que não é da época medieval: Santa Verônica Giuliani, monja clarissa capuchinha. (...)




Verônica nasceu precisamente em 27 de dezembro de 1660, em Mercatello, no vale do Metauro, de Francesco Giuliani e Benedetta Mancini; foi a última de sete irmãs, das quais três abraçaram a vida monástica. Ela recebeu o nome de Úrsula. Aos sete anos de idade, perdeu sua mãe, e seu pai mudou-se para Piacenza, como superintendente na sede do Ducado de Parma. Nessa cidade, Úrsula sentiu crescer dentro de si o desejo de dedicar sua vida a Cristo. O chamado foi cada vez mais premente, de modo que, aos 17 anos, entrou na clausura estrita do mosteiro das Clarissas Capuchinhas de Città di Castello, onde permaneceu durante toda a sua vida. Lá, recebeu o nome Verônica, que significa "verdadeira imagem" e, de fato, ela se tornaria uma verdadeira imagem de Cristo Crucificado. Um ano depois, emitiu a profissão religiosa solene: começou para ela o caminho de configuração com Cristo, através de muitas penitências, grandes sofrimentos e experiências místicas relacionadas à Paixão de Jesus - a coroação de espinhos, o esponsório místico, a ferida no coração e os estigmas. Em 1716, aos 56 anos, tornou-se abadessa do mosteiro e foi reconfirmada no cargo até sua morte, ocorrida em 1727, após uma dolorosa agonia de 33 dias que culminou com uma alegria profunda, tanto as suas últimas palavras foram: "Encontrei o Amor, o Amor deixou-se contemplar! Esta é a causa do meu padecimento. Contai a todas, contai a todas!" (Summarium Beatificationis, 115-120). Em 9 de julho, deixou a morada terrena para o encontro com Deus. Ela tinha 67 anos, cinquenta dos quais foram passados no mosteiro de Città di Castello. Foi proclamada santa em 26 de maio de 1839, pelo Papa Gregório XVI.






 
Verônica Giuliani escreveu muito: cartas, relatos autobiográficos, poemas. A principal fonte para reconstruir o seu pensamento é, contudo, o seu "Diário", iniciado em 1693: são 22 mil páginas manuscritas, abrangendo um arco de 34 anos de vida monástica. A escrita flui espontânea e continuamente, sem rasuras ou correções, nem traços ou distribuição da matéria em capítulos ou partes, de acordo com uma estrutura pré-determinada. Verônica não pretendia compor uma obra literária; pelo contrário, foi forçada a escrever as suas experiências pelo Pe. Girolamo Bastianelli, religioso dos Filipinos, de acordo com o bispo diocesano Antonio Eustachi.

Santa Verônica tem uma espiritualidade fortemente cristológico-esponsal: é a experiência de ser amada por Cristo, Esposo fiel e sincero, e de querer corresponder com um amor cada vez mais envolvido e apaixonado. Nela, tudo é interpretado a partir do prisma do amor, e isso lhe infunde uma profunda serenidade. Tudo é vivido em união com Cristo, por amor a Ele e com alegria de poder demonstrar-lhe todo o amor de que uma criatura é capaz.




O Cristo a quem Verônica está profundamente unida é o sofredor da paixão, morte e ressurreição; é Jesus no ato de oferecer-se ao Pai para nos salvar. Também deriva dessa experiência o amor intenso e sofredor pela Igreja, sob as formas de oração e de oferecimento. A santa vive nesta perspectiva: rezar, sofrer, buscar a "santa pobreza", como "expropriação", perda de si mesma (cf. ibid., III, 523), precisamente para ser como Cristo, que se entregou de forma total.

Em cada página de seus escritos, Verônica coloca alguém nas mãos do Senhor, aumentando o valor da sua oração intercessora com o oferecimento de si mesma em cada sofrimento. Seu coração está aberto a todas "as necessidades da Santa Igreja", vivendo com anseio o desejo da salvação de "todo o universo" (ibid., III, IV, passim). Verônica grita: "Ó pecadores, ó, pecadoras... Todos e todas, vinde ao coração de Jesus, vinde lavar-vos em seu precioso sangue... Ele está vos esperando de braços abertos para abraçar-vos" (ibid., II, 16-17). Impulsionada por uma ardente caridade, dá às irmãs do mosteiro atenção, compreensão, perdão; oferece suas orações e sacrifícios pelo Papa, pelo seu bispo, pelos sacerdotes e por todos aqueles em necessidade, incluindo as almas do purgatório. Resume sua missão contemplativa com estas palavras: "Nós não podemos sair pregando pelo mundo para converter almas, mas estamos obrigadas a orar continuamente por todas aquelas almas que estão ofendendo a Deus... especialmente com os nossos sofrimentos, ou seja, com um princípio de vida crucificada" (ibid., IV, 877). Nossa santa encara esta missão como "estar no meio" entre os homens e Deus, entre os pecadores e Cristo Crucificado.




Verônica vive de maneira profunda a participação no amor sofredor de Jesus, certa de que "sofrer com alegria" é a "chave do amor" (cf. ibidem, I, 299.417; III, 330303871, IV, 192). Ela mostra que Jesus sofreu pelos pecados dos homens, mas também pelos sofrimentos que os seus servos fiéis teriam de ter suportado ao longo dos séculos, no tempo da Igreja, precisamente por sua fé sólida e coerente. Escreve: "Seu Pai eterno o fez ver e sentir naquele momento todos os padecimentos que deveriam ter os seus escolhidos, suas almas mais amadas, ou seja, aquelas que teriam aproveitado o seu sangue e todos os seus sofrimentos" (ibid., II, 170). Como diz de si mesmo o apóstolo Paulo, "Alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós e completo, na minha carne, o que falta às tribulações de Cristo em favor do seu Corpo que é a Igreja" (Col 1,24). Verônica chega a pedir a Jesus ser crucificada com Ele: "Em um instante - escreve - eu vi sair de suas feridas santíssimas cinco raios brilhantes; e todos vieram ao meu redor. E eu vi estes raios se transformarem como em pequenas chamas. Em quatro, estavam os pregos; e em uma estava a lança, como o ouro, toda de fogo: e me transpassou o coração, parte por parte... e os pregos atravessaram as mãos e os pés. Eu senti muita dor; mas na própria dor, eu me via, eu me sentia completamente transformada em Deus" (Diário, I, 897).
Diante deste Crucifixo Santa Verônica conversava com Jesus.


A santa está convencida de que participa agora do Reino de Deus, mas ao mesmo tempo invoca todos os santos da Pátria bem-aventurada, para que venham em seu auxílio, no caminho da sua doação, à espera da bem-aventurança eterna; esta é a aspiração constante da sua vida (cfr ibid., II, 909; V, 246). No que diz respeito à pregação da época, muitas vezes focada em "salvar a própria alma", em termos individuais, Verônica mostra um forte sentido de "solidariedade", de comunhão com todos os irmãos e irmãs no caminho rumo ao céu; e vive, reza, sofre por todos. As coisas penúltimas, terrenas, no entanto, ainda valorizadas no sentido franciscano como dons do Criador, são sempre relativas, totalmente subordinadas ao "gosto" de Deus e sob o sinal de uma pobreza radical. Na communio sanctorum, ela esclarece sua doação eclesial, bem como a relação entre a Igreja peregrina e a Igreja celeste. "Todos os santos - escreve - estão lá em cima por meio dos méritos e da paixão de Jesus; mas em tudo o que Nosso Senhor fez, eles colaboraram, de forma que sua vida esteve toda dirigida, regulada pelas (suas) próprias obras" (ibid., III, 203).





Nos escritos de Verônica, encontramos muitas citações bíblicas, às vezes indiretamente, mas sempre na hora certa: ela revela sua familiaridade com o texto sagrado, do qual se nutre sua experiência espiritual. Note-se, além disso, que os momentos fortes da experiência mística de Verônica nunca estão separados dos acontecimentos salvíficos celebrados na liturgia, onde têm um lugar especial a proclamação e a escuta da Palavra de Deus. A Escritura, portanto, ilumina, purifica, confirma a experiência de Verônica, tornando-a eclesial. Por outro lado, no entanto, precisamente sua experiência, enraizada na Sagrada Escritura com uma intensidade incomum, conduz a uma leitura mais profunda e "espiritual" do próprio texto, entra nas profundezas ocultas do texto. Ela não apenas se expressa com as palavras da Sagrada Escritura, mas realmente vive também dessas palavras, que se tornam vida nela.

Por exemplo, nossa santa muitas vezes citou as palavras do apóstolo Paulo: "Se Deus está conosco, quem será contra nós?" (Rm 8,31, cf. Diário, I, 714, II, 116,1021, III, 48). Nela, a assimilação deste texto paulino, essa grande confiança e profunda alegria sua, tornam-se mais um fato realizado em sua própria pessoa. "A minha alma - escreve - foi associada à vontade divina e eu me estabeleci verdadeiramente e permaneço para sempre na vontade de Deus. Parecia-me nunca ter de separar-me dessa vontade de Deus e voltei para mim com estas mesmas palavras: nada poderá me separar da vontade de Deus, nem as angústias, nem as penas, nem a dor, nem os desprezos, nem tentações, nem criaturas, nem demônios, nem a escuridão, e nem sequer a própria morte, porque, na vida e morte, quero tudo, e em tudo, a vontade de Deus" (Diário, IV, 272)...




Verônica se revela, em particular, como uma corajosa testemunha da beleza e do poder do amor divino, que a atrai, impregna, inflama. É o Amor crucificado que foi impresso na sua carne, como na de São Francisco de Assis, com os estigmas de Jesus. "Minha esposa - sussurra-me o Cristo crucificado - (...) Depois, tirando um braço da cruz, fez-me um sinal para que eu me aproximasse do seu lado transpassado... E me encontrei nos braços do Crucificado. O que senti naquele momento eu não consigo dizer: eu poderia estar sempre em seu santo lado" (ibid., I, 37). É também uma imagem de sua jornada espiritual, sua vida interior: estar no abraço do Crucificado e, assim, estar no amor de Cristo pelos demais.

Também com a Virgem Maria, Verônica vive um relacionamento de profunda intimidade, como testemunham as palavras que um dia a Senhora lhe disse e que recolhe em seu Diário: "Eu te fiz repousar no meu colo, foste unida à minha alma e foste levada por ela como em um vôo até de Deus" (IV, 901).

Santa Verônica Giuliani convida-nos a crescer em nossa vida cristã, na união com o Senhor, no viver para os demais, abandonando-nos à sua vontade com confiança total e completa, e na união com a Igreja, a Esposa de Cristo; convida-nos a participar do amor sofredor de Jesus Crucificado para a salvação de todos os pecadores; convida-nos a ter o olhar fixo no Paraíso, meta da nossa jornada terrena, onde viveremos, junto a muitos irmãos e irmãs, a alegria da comunhão plena com Deus; convida-nos a alimentar-nos diariamente com a Palavra de Deus para acender nossos corações e guiar nossas vidas. As últimas palavras da santa podem ser consideradas um resumo de sua apaixonada experiência mística: "Encontrei o Amor, o Amor deixou-se contemplar!". Obrigado. (Papa Bento XVI).

 [Tradução: Aline Banchieri.] Fonte: Zenit.




2º ANEXO:




Carta Circular do Ministro Geral dos Capuchinhos por ocasião do 350° aniversário
de nascimento de Santa Verônica Giuliani
(Prot. N. 00400/11)




Caros confrades e
Caras irmãs Clarissas Capuchinhas
O Senhor vos dê a paz!


1. Em 15 de dezembro de 2010, durante a Audiência Geral, o Santo Padre anunciou a abertura do ano dedicado a Santa Verônica Giuliani para recordar os 350 anos de seu nascimento, ocorrido em 27 de dezembro de 1660. Um Ano Jubilar que em 27 de dezembro de 2010 em Città di Castello foi oficialmente inaugurado com a transladação do corpo da santa, do Mosteiro para a Catedral.




Esta santa nos pertence, ela é nossa; vem da reforma capuchinha e concentra em si a imensa e misteriosa potencialidade carismática do “Espírito do Senhor e da sua santa operação”, à qual ela foi docilíssima.
(...)
Recolhida por 50 anos no pequeno espaço do mosteiro de Città di Castello, sua vida teria ficado escondida se ela não a tivesse narrado no seu Diário, escrito por obediência. ...
A santa, na linha da espiritualidade franciscana, revive a Paixão e a Cruz de Cristo com a intensidade de um martírio interior, unindo a este uma extraordinária alegria.

        2. Recordo as etapas principais de sua vida, que nos ajudam a fixar alguns pontos básicos de nosso carisma franciscano e da nossa necessária e contínua renovação religiosa e espiritual...

Mercatello, cidade onde nasceu Santa Verônica.


Desde pequena era muito vizinha e completamente voltada para Deus. Queria que todos fossem como ela… «todos me chamavam fogo» (II, 576), escreveu no seu Diário. Era decidida e resoluta: «Sou por natureza cabeça dura» (VI, 186), escreveu numa sua carta. ... A fé era o ar que respirava, o alimento que consumia, tudo aquilo que fazia e pensava. Para ela as imagens sacras eram vivas. Os quadros da Virgem com o Menino Jesus eram objeto contínuo de diálogo e de amor. (...) aos 10 anos, em 2 de fevereiro de 1670 em Piacenza, para onde a família se transferira, fez a primeira Comunhão. «Ao receber a santíssima Hóstia – declarou – senti um calor tão grande que me invadiu toda… como se entrasse um fogo no meu coração… me sentia como que queimando, não encontrava lugar». e se admirava que as outras meninas estivessem indiferentes, enquanto ela sentia «um incêndio que a fazia exultar» (V, 62s). 
A nossa santa fez-se monja capuchinha aos 17 anos e enclausurou-se no Monteiro de Città di Castello em 28 de abril de 1677. Quando recebeu o hábito em 28 de outubro de 1677, mudando seu nome de Úrsula para Verônica, para tornar-se “verdadeira imagem de Cristo crucificado”, o Senhor lhe revelou a sua missão: «Eu te escolhi para grandes coisas; mas tu deverás sofrer muito pelo meu amor» (I, 29; V, 73-75).

3. Ainda jovem, noviça e enfermeira, agradava-lhe um grande Crucifixo exposto na parede. Não sabia afastar-se dele e muitas vezes corria para dar-lhe uma olhada rápida. Ela falava-Lhe: «Meu Senhor, dai-me graças; em particular vos peço a conversão dos pecadores, o retorno dos tíbios ao vosso amor…».


Nesta escola do amor Santa Verônica tornou-se mestra. É um caminho de fé que registra numerosas datas a lembrar: o 1° de novembro de 1678, a profissão religiosa; o 4 de abril de 1681, Jesus põe em sua cabeça a coroa de espinhos; o 17 de setembro de 1688 é eleita mestra das noviças e permanece até 18 de setembro de 1691; o 12 de dezembro de 1693 em que começa a escrever o Diário; de 3 de outubro de 1693 a 21 de março de 1698 é de novo mestra de noviças; o 5 de abril de 1697, Sexta-feira Santa, recebe as chagas e neste ano é denunciada ao Santo Ofício; em 1699 é privada da voz ativa e passiva, disposição que será revogada após 16 anos em 7 de março de 1716. São os anos de impressionantes dons místicos.
Reeleita abadessa em 5 de abril de 1716, até à morte, a sua vida está iluminada pelo prodígio. Em 25 de março de 1727 escreve a última página de seu diário. Atingida por hemiplexia após 33 dias de agonia e de “puro e nu sofrimento”, ao amanhecer de 9 de julho, ela falece, não sem antes ter revelado às suas noviças e irmãs o significado da sua vida: «Vinde aqui, o Amor foi pois encontrado: este é a causa do meu sofrer». Sessenta e sete anos de fogo e de penitência, de fé, de amor e de dor, de ardor apostólico e de mística união ao sofrimento de Cristo na cruz, no mistério de seu Coração e no Coração imaculado de Maria.

4. Santa Verônica é a grande mística da cruz e do coração. A caridade a impulsionava a querer que todos os homens pudessem beber nas fontes do amor divino, todos sem excluir ninguém. Com o seu testemunho de oração e de comunhão com Deus ela vem ao nosso encontro para ajudar-nos e recordar-nos que a ação mais elevada é ocupar-se com Deus. Santa Verônica, apoiada na graça, viveu plenamente a essência da Regra de São Francisco que diz: «acima de tudo é preciso ter o Espírito do Senhor e a sua santa operação, e rezar sempre a Ele com o coração puro...». Ela se torna não só uma mulher que reza, mas como São Francisco, uma oração vivente.




5. Santa Verônica foi, além disso, uma grande missionária que consumou-se pela Igreja e pela conversão dos pecadores. Notamos como da contemplação de Cristo brota o ardor apostólico e missionário. É um grande princípio do nosso carisma capuchinho. Aqui a santa tem muito a dizer a cada um de nós. A sua teologia da caridade é ligada ao conceito que ela fez da Redenção: Cristo se encarnou por amor, a sua vida de pobreza e de trabalho é regida pelo amor, o seu ensinamento evangélico é, em síntese, o amor, o seu sacrifício é movido pelo amor, a sua graça é amor, o céu é amor: tudo em Cristo é amor, porque ele mesmo é o Amor.
O sonho de converter todo o mundo é a realidade da sua missão. Estamos diante de uma alma que adverte com sensibilidade extrema a ecumenicidade/universalidade da sua vocação contemplativa e de oferta. Por suas aspirações de missionária mundial e ecumênica não se escolhe um povo, mas quer o mundo todo. «Dirige-se a todo o mundo dizendo: Eia, vamos, criaturas todas, vinde comigo a Jesus. Ele é o bem infinito. Se quereis tesouros, Jesus é o verdadeiro imenso tesouro. Se quereis riquezas, Jesus é a verdadeira riqueza. Se desejais intensamente gostos e prazeres, Jesus é o sumo gosto e contentamento. Numa palavra, se ansiais todo bem, não deixai Jesus, pois Ele é tudo, é sumo e infinito bem… E vós, ó heréticos e infiéis, vinde à verdadeira fé! Jesus é fé, é esperança, é caridade; vinde a Jesus. Vinde todos e todas…» (I, 777). 

6. A presença de Maria Santíssima na vida de Santa Verônica é um outro aspecto fundamental de sua mensagem espiritual e da sua experiência de santidade. Aqui também o carisma capuchinho está bem presente. É certo que a relação entre a Santa e a Virgem Mãe é imersa no mistério. Santa Verônica não fazia nada sem que antes não tivesse pedido a benção à Virgem. Ela chamava-a a cada hora e sentia a Virgem, sempre presente. Ela experimentou o amor e a dor de seu coração sob a cruz, a tal ponto que a alma da santa não era mais sua, mas alma da alma de Maria, coração do coração de Maria. Jesus dava para sua instrução e regra o modo e a vida de sua cara Mãe. «Eu serei a tua mestra, faz tudo comigo, sem você» (IV, 306).


Estátua de S. Verônica erguida perto de sua casa paterna em Mercatello.


7. Centralidade da Eucaristia. Na clausura marcada pela solidão e pelo silêncio, a Vida estava no Tabernáculo da pequena igreja. Santa Verônica iniciava cada dia pela Eucaristia e na Eucaristia encerrava-o, precedido e seguido de noites de orações, plenas de êxtases místicos e de encontros com o Vivente. Esse é um terceiro aspecto de sua experiência espiritual que ainda interpela a nossa vida capuchinha. Verônica comprazia-se em visitas e adorações eucarísticas, diurnas e noturnas, pessoais e comunitárias, deliciava-se particularmente com a celebração eucarística.



8. Se quiséssemos perscrutar o Diário de Santa Verônica descobriríamos reservas inteiras de mística missionária e de motivações ecumênicas que justificam o problema da evangelização mundial. A nossa santa concebeu o movimento missionário num período histórico devastado pelo Jansenismo, como um movimento de amor: foi precursora da pequena, mas grande santa missionária, Teresa de Lisieux.
A conversão dos pecadores e a evangelização que Santa Verônica tanto buscava com seu austero caminho de penitência, exigem a conversão daqueles que creem em Jesus Cristo, Salvador do mundo. A urgência dos cristãos de hoje, era a urgência de Santa Verônica. Urgência da nova evangelização que se torna fecunda somente se cada um de nós, se cada cristão se renova e se deixa renovar no espírito e no seu estilo de vida.

9. Irmãos caríssimos, reacendamos a chama do nosso carisma no amor incandescente de Santa Verônica. A celebração de seu Ano jubilar nos convoca e nos interpela. Como tornar atual e “contemporânea” Santa Verônica Giuliani? Estamos diante de uma forma de santidade que, por alguns aspectos, é inimitável, eu concordo: a “agressividade” de Verônica em buscar a penitência mais dura e mortificante como resposta a um convite de amor e de colaboração que o Cristo lhe dirige, não é para todos; ela parece estranha aos nossos costumes e longe da nossa hodierna sensibilidade. As nossas Constituições nos recordam que “O espírito de penitência numa vida austera é característica de nossa Ordem; pois, escolhemos uma vida dura a exemplo de Cristo e de São Francisco” (Const. nº. 101,5).




10. Concluindo quero recordar-vos que o ano jubilar por ocasião do nascimento de Santa Verônica Giuliani está intimamente ligado com um outro jubileu: o VIIIº Centenário da fundação das irmãs pobres de Santa Clara. Para vós, caras irmãs clarissas capuchinhas, este é um outro apelo forte para viver integralmente e com alegria o carisma da Santa Mãe Clara, que Santa Verônica abraçou com todo o seu ser. 
Santa Verônica, fiel discípula de Santa Clara, ajude-nos a repetir as suas próprias palavras para dizer: “Todos unidos amemos o Sumo Bem.”

Roma, 12 de junho de 2011,
Solenidade de Pentecostes.


Frei Mauro Jöhri
Ministro Geral OFMCap


        PAX ET BONUM!


Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.