domingo, 1 de maio de 2011


OITAVO CENTENÁRIO DA CONSAGRAÇÃO DE SANTA CLARA E DO NASCIMENTO DE SUA ORDEM


No dia 17 de abril deste ano, Domingo de Ramos, a Família Franciscana abriu oficialmente o oitavo centenário da consagração de Santa Clara e do nascimento de sua Ordem. Todos os grupos que compõem esta grande família (Ordens, Congregações, Institutos, etc.) estão em festivo jubileu até o dia 11 de agosto do próximo ano quando, por ocasião da festa de Santa Clara, haverá o encerramento solene.


O evento da consagração de Clara de Assis marca o nascimento da II Ordem franciscana, denominada de Ordem de Santa Clara, composta de irmãs contemplativas as quais são também chamadas de “clarissas”. Elas vivem em mosteiros e se dedicam prioritariamente à oração. Segundo o site oficial desta Ordem no Brasil, existem atualmente por volta de vinte mil clarissas no mundo, distribuídas em 986 mosteiros. No Brasil, a Ordem das clarissas tem crescido bastante; já contamos com 25 mosteiros espalhados por diversas regiões do país.



No decorrer dos séculos, a Ordem de Santa Clara se ramificou em diversos grupos de acordo com a Regra e as Constituições adotadas. Atualmente, existem nove grupos distintos: Clarissas, Clarissas Urbanistas, Clarissas Coletinas, Clarissas Capuchinhas, Clarissas Sacramentinas, Clarissas da Adoração Perpétua, Clarissas Capuchinhas Sacramentinas e Clarissas da Divina Providência.


 Quando São Francisco deixou a casa paterna, em 1206, para se tornar um penitente itinerante, a menina Clara tinha apenas doze anos de idade, enquanto ele já contava com vinte e quatro anos. Imaginemos como o episódio de um jovem muito rico abandonando tudo para seguir o Cristo num modo de vida pobre e desprezível tenha abalado a pequena cidade medieval de Assis. Não deve ter havido uma só família que não tenha comentado a “lamentável história”. O que terá se passado no coração da jovenzinha Clara? Como será que ela entendeu a atitude daquele jovem burguês? Se ela ainda não tinha ouvido falar de Francisco, passou certamente a conhecê-lo a partir desta data.


A Legenda de Santa Clara (“biografia” oficial escrita provavelmente por ocasião da canonização da santa em 1255) nos informa como ela e Francisco tiveram seus primeiros encontros:

“Quando ouviu falar do então famoso Francisco que, como homem novo, renovava com novas virtudes o caminho da perfeição, tão apagado no mundo, quis logo vê-lo e ouvi-lo (...)

Ele, conhecendo a fama de tão agraciada donzela, não tinha menor desejo de ver e falar com ela (...). Ele a visitou, e ela o fez mais vezes ainda, moderando a freqüência dos encontros para evitar que aquela busca divina fosse notada pelas pessoas e mal interpretada por boatos.


A moça saía de casa, levando uma só companheira, e freqüentava os encontros secretos com o homem de Deus (...)
 O pai Francisco exortava-a a desprezar o mundo, mostrando com vivas expressões que a esperança do século é seca e sua aparência enganadora” (Legenda de Santa Clara 5).



Clara estava destinada ao casamento, segundo nos informam duas testemunhas no processo de sua canonização:

 “A testemunha conheceu a referida dona Clara quando era criança na casa de seu pai. (...) Sendo ela bonita de rosto, tratava-se de dar-lhe marido. Por isso, muitos de seus parentes lhe pediam que consentisse em casar-se. Mas ela nunca quis saber. Ele mesmo, testemunha, tinha pedido muitas vezes que ela concordasse em casar-se, mas ela não queria nem ouvir. Antes, era ela quem lhe pregava sobre o desprezo do mundo” (Proc. De Canonização 18,1-2).

“Tinha visto como seu pai, mãe e parentes queriam casá-la segundo a sua nobreza, magnificamente, com homens grandes e poderosos. Mas a jovem, que podia ter uns dezessete anos, não pôde ser convencida de modo algum, porque quis permanecer na virgindade e viver em pobreza, como depois demonstrou, pois vendeu toda a sua herança e a deu aos pobres” (Proc. De Canonização 19,2).



O que é certo é que Clara, pertencente a uma nobre família de cavaleiros, foi tocada pelo mesmo ideal do jovem Francisco. O Espírito Santo suscitou na alma dela um desejo de se consagrar inteiramente a Jesus, seguindo-o bem de perto numa vida de extrema pobreza evangélica. O Cristo que Clara descobriu no Evangelho era “Pobre e Humilde” e se fizera o menor de todos para nos salvar. Em Francisco, ela viu brilhar esse modo de vida com intensidade tão forte que ela mesma quis se tornar a sua “plantinha” como costumava dizer.


Vejamos, agora, como se deu a consagração da jovem Clara no ano de 1211 ou, segundo outros estudiosos, no ano de 1212:

“Aproximava-se a solenidade de Ramos, quando a jovem, de fervoroso coração, foi ter com o homem de Deus, para saber o que e como devia fazer para mudar de vida. Ordenou-lhe o pai Francisco que, no dia da festa, bem vestida e elegante, fosse receber a palma no meio da multidão e que, de noite, ‘deixando o acampamento’ (cf. Hb13,13), trocasse o gozo mundano pelo luto da paixão do Senhor.

Quando chegou o domingo, a jovem entrou na igreja com os outros, brilhando em festa no grupo das senhoras. Aconteceu um oportuno presságio: os outros se apressaram a ir pegar os ramos, mas Clara ficou parada em seu lugar por recato, e o pontífice desceu os degraus, aproximou-se dela e colocou-lhe a palma nas mãos.


De noite, dispondo-se a cumprir a ordem do santo, empreendeu a ansiada fuga em discreta companhia. Não querendo sair pela porta habitual, com as próprias mãos abriu outra, obstruída por pesados troncos e pedras, com uma força que lhe pareceu extraordinária.


E assim, abandonando o lar, a cidade e os familiares, correu a Santa Maria da Porciúncula, onde os frades, que diante do altar de Deus faziam uma santa vigília, receberam com tochas acesas a virgem Clara. (...) Com os cabelos cortados pela mão dos frades, abandonou seus ornatos variados. (...)



Depois que a humilde serva recebeu as insígnias da santa penitência junto ao altar da bem-aventurada Maria, como se desposasse Cristo junto ao leito da Virgem, São Francisco levou-a logo para a igreja de São Paulo, para que ficasse lá até que o Altíssimo dispusesse outra coisa” (Legenda de Santa Clara 7-8).


Altar da Prociúncula diante do qual Clara se consagrou ao Senhor.


Como foi a reação de sua família?

“Mal voou a seus familiares a notícia, e eles, com o coração dilacerado, reprovaram a ação e os projetos da moça. Juntaram-se e correram ao lugar para tentar conseguir o impossível. Recorreram à violência impetuosa, ao veneno dos conselhos, ao agrado das promessas, querendo convencê-la a sair dessa baixeza, indigna de sua linhagem e sem precedentes na região.
Mas ela segurou as toalhas do altar e mostrou a cabeça tonsurada, garantindo que jamais poderiam afastá-la do serviço de Cristo. A coragem cresceu com o combate dos parentes, e o amor ferido pelas injúrias deu-lhe forças. Seu ânimo não esmoreceu, nem seu fervor esfriou, mesmo sofrendo obstáculos por muitos dias no caminho do Senhor e com a oposição dos familiares a seu propósito de santidade. Entre insultos e ódios, temperou sua decisão na esperança, até que os parentes, derrotados, se acalmaram” (Legenda de Santa Clara 9).


Observem o que nos diz um perito no assunto:

“Clara não era uma jovem que estava sendo encaminhada pelos pais à vida monástica. Era uma moça que tinha fugido de casa, indo ao encontro do desprezo e da desaprovação de todos. Francisco não era bispo – a quem normalmente era reservada a consagração das virgens - e nem mesmo sacerdote. E, apesar disto, se arrogou o direito, como um simples leigo, de consagrar Clara ao Senhor. (...)

A opção de Clara foi um escândalo. Na realidade, muitas jovens de nascimento nobre como Clara haviam deixado o mundo, retirando-se para mosteiros beneditinos, exatamente como aquele no qual seus parentes foram buscá-la. Por que então a escolha feita por Clara parecera tão escandalosa? (...)


Clara, depois de ter sido consagrada ao Senhor na igrejinha de Santa Maria da Porciúncula, foi conduzida por alguns companheiros de Francisco ao mosteiro de São Paulo das Abadessas. Tratava-se do mais importante e mais rico mosteiro da região. Clara ali se apresentou como uma pobre. Não trazia consigo um dote, como costumava fazer as jovens da aristocracia que escolhiam (mais ou menos de bom grado) a vida monástica.


Clara vendeu seus bens, distribuiu o resultado entre os pobres e, somente depois, apresentou-se no mosteiro.
É provável que Clara, segundo o costume da época, tivesse recebido seu dote antes de fugir da casa paterna (...) Ela resolveu não servir-se de tal dote para procurar um bom casamento que lhe teria dado segurança para sempre e reforçado a posição da família. Clara, no entanto, alienou-o e distribuiu seu resultado aos pobres” (BARTOLI, Marco. Clara de Assis, Vozes, FFB, 1998, pg. 60-62).


Vejam o que nos informa a Irmã Beatriz no Processo de Canonização de Santa Clara, sua irmã de sangue:

Clara “vendeu toda a sua herança e parte da herança da testemunha e deu-a aos pobres. E, depois, São Francisco cortou seu cabelo diante do altar, na igreja da Virgem Maria, chamada Porciúncula” (Proc. De Canonização 12,3-4).

São Francisco, após a consagração de Clara na Porciúncula, levou-a para o mosteiro beneditino de São Paulo que ficava cerca de 4 km de Assis. Pouco tempo depois ela se transfere para uma outra comunidade de religiosas que ficava mais próxima de Assis: Santo Ângelo de Panzo.
Quando Clara estava ainda em Santo Ângelo, sua irmã Inês resolve juntar-se a ela:

“Dezesseis dias depois da conversão de Clara, Inês, levada pelo Espírito divino, correu para a irmã e, contando seu segredo, disse que queria servir só ao Senhor. (...)
Quando as felizes irmãs estavam na igreja de Santo Ângelo de Panzo, aplicadas em seguir as pegadas de Cristo, (...) de repente levantaram-se contra as jovens novos ataques dos familiares. Sabendo que Inês tinha ido para junto de Clara, correram no dia seguinte ao lugar doze homens acesos de fúria e, dissimulando a malvadeza por fora, apresentaram-se para uma visita de paz.
Logo, voltando-se para Inês, pois de Clara já antes tinham perdido a esperança, disseram: ‘Por que veio a este lugar? Volte quanto antes para casa conosco’. Quando ela respondeu que não queria separar-se de sua irmã Clara, lançou-se sobre ela um cavaleiro enfurecido e, a socos e pontapés, queria arrastá-la pelos cabelos, enquanto os outros a empurravam e levantavam nos braços. Diante disso, a jovem, vendo-se arrancada das mãos do Senhor, como presa de leões, gritou: ‘Ajude-me, irmã querida, não deixe que me separem de Cristo Senhor’.
Os violentos atacantes arrastaram a jovem renitente pela ladeira, rasgando a roupa e enchendo o caminho de cabelos arrancados. Clara prostrou-se numa oração em lágrimas, pedindo que a irmã mantivesse a constância e suplicando que a força daqueles homens fosse superada pelo poder de Deus.
De repente, o corpo dela, caído por terra, pareceu fincar-se com tanto peso que, mesmo diversos homens, juntando as forças, não conseguiram de modo algum levá-lo para além de um riacho. (...)
Então, depois de longa batalha, Clara foi até lá, pediu aos parentes que desistissem da luta e deixassem a seus cuidados Inês, que jazia meio morta. Quando eles se retiraram, amargados pelo fracasso da empresa, Inês levantou-se jubilosa e, já gozando da cruz de Cristo, por quem travara essa primeira batalha, consagrou-se para sempre ao serviço divino. Então o bem-aventurado Francisco a tonsurou com suas próprias mãos e, junto com sua irmã, instruiu-a nos caminhos do Senhor” (Legenda de Santa Clara 24-26).


Após uma breve permanência em Santo Ângelo, Francisco conduz Clara e Inês para a ermida de São Damião:

Mosteiro de São Damião
“Poucos dias depois, foi para a igreja de Santo Ângelo de Panzo, mas, não encontrando nesse lugar plena paz, mudou-se finalmente para a igreja de São Damião, a conselho do bem-aventurado Francisco. Aí, cravando já no seguro a âncora do espírito, não flutuou mais por mudanças de lugar, não vacilou diante do aperto, nem teve medo da solidão. (...)

A Virgem Clara fechou-se no cárcere desse lugar apertado por amor ao Esposo celeste. Abrigando-se da tempestade do mundo, encarcerou seu corpo por toda a vida (...) gerou uma fileira de virgens de Cristo, instituiu um santo mosteiro e deu início à Ordem das senhoras pobres.

(...) Nesse apertado recinto, por quarenta e dois anos, quebrou o alabastro do corpo com os açoites da disciplina, enchendo a casa da Igreja com o aroma dos perfumes.


(...) Pouco depois, já se espalhava a fama de santidade da virgem Clara pelas regiões vizinhas, e ao odor de seus perfumes correram mulheres de toda parte.

(...) Mesmo encerrada, Clara começou a clarear todo o mundo e refulgiu preclara pelos motivos de louvor.



A fama de suas virtudes invadiu as salas das senhoras ilustres, chegou aos palácios das duquesas e penetrou até nos aposentos das rainhas. (...)

Numerosas cidades ganharam mosteiros, e mesmo campos e montanhas ficaram bonitos com a construção desses celestes edifícios” (Legenda de Santa Clara 10-11).




PAX ET BONUM!

Frei Salvio Romero, eremita capuchinho.